Boas vindas

O objetivo principal deste blog é edificar vidas.

Os artigos e informações aqui contidas visam tão somente tornar as pessoas mais conscientes de si; seguras na busca do entendimento sobre o mundo, os fatos, as pessoas; acreditem mais na construção de um mundo melhor e na beleza da criatura humana. Bom proveito !

Google Translator

segunda-feira, 26 de março de 2012

Compreendendo a Fragilidade Humana


Analisando a conduta do ser humano, inclusive a minha própria, fico impressionado como somos submissos às inclinações do corpo e facilmente cedemos aos desejos por ele sugeridos. Como educador, deparo-me muito com pessoas que passam por problemas dos mais variados. Quase sempre, a origem deles é a prevalência dos instintos humanos sobre os nossos valores morais e éticos. Rapidamente se joga fora lindos projetos de vida por um momento de prazer. Essa é a face da fragilidade humana!
Vejo também que o problema não é novo. Na Bíblia encontramos a história de Ezaú, o irmão de Jacó, que não resistiu à fome e trocou a sua primogenitura por um cheiroso bife que seu irmão Jacó estava preparando. Davi, o valente guerreiro, não resistiu o desejo sexual quando viu a mulher do soldado Urias tomando banho.
A solução para este tipo de problema também não é nova. Trata-se do exercício do controle da vontade. É a prática do domínio próprio. O povo oriental se utilizou muito dessa estratégia, inclusive ingerindo ervas, mesmo sendo amargas, como forma de controlar o prazer. A Bíblia é rica em recomendações sobre o freio, o controle e, principalmente, a educação do desejo. Esse é o caminho para superar a fragilidade humana e nos tornarmos pessoa forte, segura e valorosa.
A dicotomia existente entre o desejo da carne e a vontade do espírito, até certo ponto, é natural. Todos nós estamos sujeitos a esse conflito. Afinal, somos constituídos de corpo e espírito, isto é, vivemos com um corpo que é temporal e, ao mesmo tempo, com o espírito que é eterno. Administrar, pois, a influência de cada um sobre o nosso modo de viver exige reflexão, cuidado, disciplina e dedicação. Esse é um dos maiores desafios para a criatura humana que deseja ter um padrão elevado de conduta e busca construir uma sociedade mais humana e um mundo melhor. Sabemos não ser fácil, mas com preparo se torna menos difícil. Isso explica porque oscilamos em nossa caminhada. Ora somos “bárbaros” e, às vezes, “romanos”; ora “selvagens” e, às vezes, “cidadãos”; ora plebeus e ora nobres; ora “brutos” e ora “finos”.
É visível, nos dias atuais, a maioria pensar, predominantemente, no sexo e em prazeres rápidos e fáceis. Estes, via de regra, prejudicam sobremaneira o bom relacionamento e até o próprio corpo. O que tem levado as pessoas a agirem assim, além da inclinação natural do próprio corpo, são os novos valores, conceitos de vida e o livre arbítrio. Com base nessa maneira de pensar, as pessoas buscam a liberdade plena, onde tudo é natural, não devendo, por isso mesmo, ser censurado ou reprimido. É um constante viver em busca do “prazer”, como se o autêntico prazer estivesse nessa liberdade.  
Mas, por outro lado sinto, também, que  há uma quantidade enorme, e crescente, de pessoas que buscam, com muita sinceridade, uma vida mais respeitosa e digna. Existem ainda, graças a Deus, muitos que, mesmo reconhecendo as dificuldades, alimentam o desejo de levar a sério sua vida espiritual. Quando se deparam com os fortes apelos da carne, procuram utilizar o domínio próprio,e optam pela conduta mais inclinada para a seriedade, primando assim pelos valores mais elevados.
A verdade é que, ao longo da minha existência, aprendi muito a entender que essa luta interior realmente existe. Como resultante dessa aprendizagem, entendi porque ora estive fraco e ora mantive-me forte. Aprendi também a entender e estar junto daqueles que ainda têm grandes dificuldades de controlar seus desejos. Entendo que eu ou você e toda pessoa que já atingiu certo amadurecimento espiritual, por ter passado (embora ainda passe) por fortes apelos de prazeres momentâneos, mas, mesmo assim, conseguiu sair-se bem, adquirindo assim uma boa dosagem de domínio próprio, deve dedicar-se a orientar e ajudar aos que ainda têm dificuldade de resistirem esses apelos. Todo esforço nesse sentido é muito válido e pode ajudar as pessoas a encontrarem o caminho que conduz à felicidade verdadeira. Caminho este que não é constituído apenas de desejos sexuais e prazeres momentâneos, dos quais estão incluídos, além de outros, sexo, bebida, droga e até estilo alimentar, mas também, e muito, de prazer, sensualidade e de amor mas em escala bem mais alta, que inclui respeito, responsabilidade e compromisso, consigo próprio, com a vida, com o outro e com Deus .
Todavia, é necessária que aquele assim se dispõe, saiba que a sua participação deve ser bem feita. Precisa ser com a autoridade de quem já adquiriu experiência, com a humildade de quem permeia pela sabedoria e com a alegria de quem é feliz. Portanto, sem a arrogância de quem acha que pode ensinar o mundo a viver e pensa que detém a sabedoria. Com esses cuidados, ai sim, podemos tentar passar para essas pessoas, um pouco da nossa experiência e daquilo que aprendemos sobre os verdadeiros valores da vida. Digamos isso para as pessoas de nossa convivência, para aquelas que amamos e para quem Deus colocar em nossa frente. Elas precisam ouvir mais sobre a vida plena, sobre o verdadeiro amor.

José Milton de Cerqueira
Educador e Advogado
jmcblogger@gmail.com

quinta-feira, 22 de março de 2012

Ajudando a Superar Limitações


Limitação é algo inerente ao ser humano. Todos têm, embora uns mais e outros menos. Muitas dessas limitações existem desde o nascimento e outras, nós adquirimos no decorrer da existência. É o caso de quem nasceu com ausência de um braço ou apenas com deficiência e o que nasceu com os braços normais, porém por desastre ou doença perdeu o braço ou teve alterado o seu funcionamento. Até ai todos somos iguais, não tivemos participação pessoal na situação. O que nos faz diferente um dos outros é a forma como trabalhamos as próprias limitações. Enquanto uns se abatem muito e outros, pouco, há também os que tentam superar e os que se acomodam. Há ainda, aqueles que só perceberam as limitações de ordem físicas, mas desconhecem as emocionais. Qualquer que seja o tipo de limitação, em si ou no outro, nós que educamos temos a obrigação de ficar atentos a algo que é muito importante: o desafio de superar as limitações. Elas existem, todos precisam conviver com elas e, o mais significativo, necessitam de apoio para administrá-las bem. Os exemplos são enormes de pessoas que superaram bem as limitações físicas, mesmo as que foram adquiridas já com certa idade. Mas, não tem a mesma dimensão os exemplos de pessoas que superaram as suas limitações subjetivas. Estas quase não são percebidas pelos demais e, às vezes, pela própria pessoa. É o caso, por exemplo, de pessoas muito tímidas ou inseguras. Elas são limitadas nessa área e sofrem com isso. A responsabilidade de quem convive com essas pessoas é muito grande. Nós que somos pais, educadores, parentes e colegas delas, não podemos ser indiferentes a essa situação. Sem muito destaque e desprovido da aparência de misericórdia, devemos ajudá-las a superar tais limitações. A verdade é que, na maioria das vezes, não sabemos como proceder ou achamos que sabemos e agimos de modo errado. É o caso de pais ou educadores que se limitam a dizer “você tem de superar essa timidez e insegurança”, “se você continuar assim não vai vencer e nem ter amizades”, “veja fulano, é comunicativo, está sempre conversando, demonstra estar feliz, e você ai, morrendo pelos cantos”. Nada mais cruel! Isso não ajuda em nada e atrapalha muito. Semelhante aos primeiros passos e as primeiras palavras, momento em que a criança está diante de mais um desafio, necessitando do apoio e da aprovação dos demais, assim os que têm limitações, mesmo que sejam adolescentes, jovens ou adultos, cada um precisa também do mesmo apoio e incentivo que receberam quando estavam aprendendo a falar e a andar. Muito carinho com os quem demonstram timidez e insegurança. Estar junto deles, compreendê-los e ajudar nos passos para a superação é uma atitude das mais nobres de quem educa.

José Milton de Cerqueira
Educador e Advogado
jmcblogger@gmail.com

terça-feira, 6 de março de 2012

Evitando romper os limites da virtude

Deparo-me, de vez em quando, com pessoas que possuem virtudes, mas mesmo assim são extremamente infelizes. Essa constatação, por um bom tempo, deixou-me perplexo e meio decepcionado. Tinha dificuldade de aceitar o fato de uma pessoa ter determinada virtude e essa mesma virtude lhe causar infelicidade. Ora, se a virtude é algo precioso e trata-se de um dom concedido por Deus ao ser humano, como pode essa virtude ou esse dom causar infelicidade? Não podia entender a duplicidade de uma pessoa ser virtuosa e ao mesmo tempo infeliz. Para compreender melhor a origem da minha perplexidade, cito alguns casos que presenciei e tive que acompanhar.
Uma mãe de aluno adorava levar os filhos para a escola, para o inglês, ginástica, trabalho de equipe, festa e outros compromissos. Programava tudo bem direitinho. Sempre que conversava com as pessoas não se esquecia de exaltar o seu dom de levar e trazer seus filhos para diversos lugares, sem se aborrecer, sem se cansar e sem erros E assim foi por muito tempo No entanto, depois, quando os filhos não precisavam dela para se locomover, pois já haviam crescido, sentia-se infeliz, frustrada e sem reconhecimento, questionando se havia valido a pena ter feito o que fez. O vazio existencial era enorme. Sofria muito com isso.
Um aluno sempre gostava de cooperar em casa com todos. Era responsável e muito exemplar. Sempre que havia problema, ele cedia o seu espaço ou algo, para evitar confusão. A sua virtude maior era compreender, ceder e cooperar. Gostava de ser assim. Vivia feliz. Depois começou, a mudar e já não era o mesmo. Tornou-se um problema. Passou a ser agressivo, sempre demonstrando decepção com a situação e desânimo em voltar a ser o que era. Cansou de ser prestativo e cooperador. Sentia-se explorado.
Um colaborador procurava desempenhar bem as suas funções, compreendia todos os problemas da empresa, cooperava com seus colegas e, por ser assim, era muito procurado. Trabalhava demasiadamente para suprir deficiência da empresa, do serviço e das pessoas. Gostava de ser assim e era muito feliz. Depois mudou, passou a acreditar que o mundo era “cão” e que a vida era uma loucura. Perdeu a vontade de servir e a infelicidade tomou conta de seus sentimentos. Pendeu para o egoísmo e a indiferença tomou conta do seu coração.
Podia citar muitos outros casos, mas esses já são suficientes para completar o meu raciocínio e dizer as conclusões a que cheguei ao analisar esses e outros casos.
1-    A virtude é uma bênção em si e quem a possui deve exercê-la em toda plenitude.
2-    Todos têm virtudes e cada um deve procurar identificar as suas. Ninguém é desprovido de virtude. Apenas uns têm mais e outros menos.
3-    Das virtudes que temos, umas são mais fortes em nós e nessas devemos nos aprofundar e nos aperfeiçoar; outras são menos percebidas e, por isso, devem ser exercitadas mais ainda.
4-    Deus foi quem nos formou e é quem nos sustenta. A Ele devemos nos dirigir diariamente para nos orientar nas descobertas e no exercício das nossas virtudes.
5-    A pessoa ao exercer as suas virtudes corretamente, torna-se feliz e proporciona felicidade aos outros.
Há dentro de cada um de nós um mundo pequeno, o mundo interior. Ele é só nosso, é a nossa própria vida. As virtudes surgem daí. Apenas esse nosso mundo com o tempo extrapola e apresenta-se lá fora. E ao ter contato com o mundo exterior pode obter reconhecimento ou não. Havendo reconhecimento, a vida se torna encantadora. Se não há, no início não é problema, pois temos capacidade de superar obstáculos e contornar insucessos, sem prejudicar o nosso mundo interior. Contudo, essa resistência a problemas vai bem só até determinada faixa. Ultrapassando essa faixa, passamos a trabalhar alem do limite de nossa capacidade de contornar divergência. E nesse caso, a persistir, mesmo sendo uma virtude, ela se torna um problema. Assim, sempre que a virtude começar a lhe causar aborrecimentos, angústias ou recalques, procure recuar um pouco. Pode ser um sintoma, alertando que algo está errado e os limites de ceder não foram respeitados. Se não administrar bem essa fase, você corre o risco de transformar a sua virtude em um problema. Esse problema acaba gerando em você outros problemas, até implantar um forte sentimento de fracasso. Cuide bem de suas virtudes. Elas são preciosas. Existem para serem cultivadas e bem utilizadas. Fazem parte dos planos de Deus para tornar a vida mais bela. A sua e das pessoas com quem você convive.

José Milton de Cerqueira
Educador e Advogado
jmcblogger@gmail.com

sábado, 3 de março de 2012

CONVERSANDO COM QUEM ENTENDE

Entrevista com Rosalind Wiseman - Revista VEJA

Faixa-preta no caratê, a escritora americana, Rosalind Wiseman, dava aulas de defesa pessoal para garotas em Washington, capital dos Estados Unidos, quando se impressionou com as conversas das adolescentes sobre os constantes abusos físicos e psicológicos que sofriam ou infligiam a colegas na escola, o bullying. Interessou-se pelo assunto, aprofundou as conversas e hoje é uma das maiores especialistas nesse triste fenômeno. Em 2002, escreveu Queen Bees and Wannabes (Abelhas-Rainhas e Aspirantes, em tradução literal), um guia para pais, educadores e alunos sobre como lidar com a crueldade com que as meninas populares da escola (as “abelhas-rainhas”) tratam as colegas que aspiram a ser como elas. Best-seller instantâneo, o livro serviu de base para o enredo do filme Meninas Malvadas. Aos 42 anos, mãe de dois filhos, Rosalind, formada em ciência política, dedica-se a escrever livros e colunas e a dar palestras em que expõe, com exemplos muito concretos e didáticos, a prática do bullying e ensina a prevenir e atenuar seus efeitos. Preparando-se para sua primeira viagem ao Brasil — onde fará palestras na Escola Americana, em São Paulo, entre 12 e 14 de março—, ela falou a VEJA. A entrevista foi publicada na edição № 2258, de 29.02.2012. Por ser de grande valor para a educação, transcrevo na íntegra.


Destaques da entrevista.

−A escritora americana especialista em bullying diz que crianças e adolescentes que agridem e humilham colegas são acobertados em casa — e que as escolas em geral se omitem.

−Os pais e os educadores são frequentemente tomados de um sentimento de profunda impotência que os mantém paralisados. É preciso de uma vez por todas tirar os jovens da posição de comando.

−Ouço muito nas escolas que elas estão, sim, em plena cruzada de combate ao bullying. Mas isso não costuma se traduzir em nada verdadeiramente efetivo.

−Enxergo um aspecto positivo na atual geração de pais, que vive em busca de relações mais abertas, francas e afetivas com seus filhos. Os problemas começam quando essa tentativa de estabelecer um laço mais autêntico resvala para uma situação completamente absurda em que por nada no mundo a criança pode ser contrariada ou se sentir minimamente desapontada.

−O que preocupa é a dificuldade de enxergar as nuances entre a tirania e a amizade. Em muitos dos lares, por assim dizer, modernos, no lugar de noções básicas de hierarquia e limites, o que as crianças e adolescentes acabam obtendo dos pais é apoio incondicional, quando não conivência — inclusive para com os maus modos e os eventuais episódios de agressão que protagonizam fora de casa.

Alguns até bradam: “Quem se meter com meu filho está se metendo comigo também”. E um instinto de proteção cego, irracional. Mesmo alertados pela escola e por outros pais, eles se recusam a ver e a ouvir o óbvio. Estão se furtando assim à tarefa de dar uma boa educação aos filhos.

−Observando as famílias das crianças que costumam liderar o bullying, descobri um padrão comum à maioria. Em geral, elas vêm de ambientes em que os próprios pais não lidam bem com as diferenças. Costumam supervalorizar características físicas e psicológicas universalmente aceitas e desconfiar de quem destoa delas.

−O bullying nada mais é do que uma demonstração exacerbada da aversão às diferenças.

−As crianças e adolescentes estão recebendo estímulos para parecer mais velhos do que são, mas, infelizmente, não mais maduros.


O bullying está fugindo ao controle dos pais e das escolas? Conflitos em que ocorre abuso de poder e força para demarcar território são tão antigos quanto a própria espécie humana. Não estamos, portanto, diante de um fenômeno moderno, como alguns apregoam. Por outro lado, há, sim, certos aspectos da sociedade em que vivemos que conferem ao bullying feições particularmente cruéis e é isso que o torna mais difícil de ser controlado. A principal mudança está na internet, com a qual a atual geração de crianças e adolescentes mantém uma relação quase que visceral. É justamente ali, onde constroem sua identidade e seus laços de amizade, que eles começam a se ver alvo de humilhações capazes de se difundir por toda a escola em questão de horas. O problema passa a ganhar uma escala que nunca teve antes, enchendo a vítima de vergonha, solidão e medo. Os pais e os educadores, por sua vez, são frequentemente tomados de um sentimento de profunda impotência que os mantém paralisados.

A senhora está dizendo que as escolas não estão sabendo lidar com os casos de bullying? Minha experiência mostra que a maioria não encara esse problema como sendo também seu, prova de uma visão ainda antiquada sobre a educação. Nos últimos anos, a internet demoliu certas fronteiras físicas de forma avassaladora, como a que separava a casa da escola, mas muitos educadores continuam alheios a isso. Eles se esquivam de suas responsabilidades, limitando-se a dizer apenas que “o caso não aconteceu dentro da sala de aula, me desculpe, estamos de mãos atadas”. Pois, ao ignorarem a questão, dão sinal verde para que os agressores sigam adiante, seguros, e com razão, de que não serão punidos. Aqueles que são alvo das intimidações passam a odiar profundamente o colégio, onde não recebem o mais básico: segurança. Ouço muito nas escolas que elas estão, sim, em plena cruzada de combate ao bullying. Mas isso não costuma se traduzir em nada verdadeiramente efetivo. Toda essa discussão acaba por chamar atenção para uma enorme fragilidade que vejo na instituição escolar, nos Estados Unidos e em outros países.

A que fragilidade a senhora se refere? Varias escolas até tentam, mas não conseguem garantir um ambiente minimamente favorável ao aprendizado. Isso porque uma turma de educadores está se furtando à tarefa fundamental de estabelecer regras de bom convívio, divulgá-las a todos e fazê-las cumprir com rigor, castigando, em alguma medida, aqueles que as infrinjam. É preciso de uma vez por todas inverter a lógica segundo a qual são os jovens que estão no comando. O problema, evidentemente, não se restringe ao ambiente escolar. Ele começa em casa. Só que muitos pais preferem manter-se cegos a agir como deveriam.

É um traço típico dessa geração de pais? No grau em que se manifesta, sim. Enxergo um aspecto positivo na atual geração, que vive em busca de relações mais abertas, francas e afetivas com seus filhos. Querem contrapor-se aos próprios pais, bem mais distantes e rígidos. Os problemas começam quando essa tentativa de estabelecer um laço mais autêntico resvala para uma situação completamente absurda em que por nada no mundo a criança pode ser contrariada ou se sentir minimamente desapontada. O que preocupa aí é a dificuldade de enxergar as nuances entre a tirania e a amizade. Em muitos dos lares, por assim dizer, modernos, no lugar de noções básicas de hierarquia e limites, o que as crianças e adolescentes acabam obtendo dos pais é apoio incondicional, quando não conivência — inclusive para com os maus modos e os eventuais episódios de agressão que protagonizam fora de casa.

Os próprios pais acabam sendo condescendentes com o bullying? Exatamente isso. Existe um grupo, e com certeza não é pequeno, de pais que se arvoram em defesa dos filhos incondicionalmente, qualquer que seja a situação, ainda que às vezes não tomem consciência disso. Alguns até bradam:
“Quem se meter com meu filho está se metendo comigo também”. E um instinto de proteção cego, irracional. Mesmo alertados pela escola e por outros pais, eles se recusam a ver e a ouvir o óbvio. Estão se furtando assim à tarefa de dar uma boa educação aos filhos.

Como deveriam agir nesses casos? Como adultos. Eles devem não só assumir como enfatizar o problema, advertindo a criança, punindo-a prontamente quando preciso e procurando a escola, se esse for o caso. É básico, mas não tão comum. Vou além na crítica que faço. Muitos pais acabam não apenas agindo como cúmplices juvenis de seus filhos como também dando o mau exemplo em casa. Depois de tantos anos nesse campo, estou convencida de que tratar mal o outro, tentando se sobrepor à base da força e do medo, não é apenas um instituto humano, mas também um comportamento cultivado e assimilado socialmente.

Como isso ocorre? Não é tão óbvio, mas sutil. Observando as famílias das crianças que costumam liderar o bullying, descobri um padrão comum à maioria. Em geral, elas vêm de ambientes em que os próprios pais não lidam bem com as diferenças. Costumam supervalorizar características físicas e psicológicas universalmente aceitas e desconfiar de quem destoa delas. Eles reforçam, por exemplo, o ideal de magreza que tanto preocupa as crianças e adolescentes de hoje — inclusive os magros que querem ficar cada vez mais esbeltos. É curioso que esse tipo de manifestação preconceituosa aparece até mesmo naquelas famílias de gente muito lúcida, de forma quase invisível. Mas a mensagem está lá. O bullying nada mais é do que uma demonstração exacerbada da aversão às diferenças. Escuto muito pais criticando uns aos outros. É como um esporte nacional. Está claro que falta um olhar mais realista sobre si próprios.

O que a família pode fazer para ajudar os filhos quando eles é que se tornam o alvo das agressões? No afã de vê-los aceitos socialmente, são justamente os pais que muitas vezes os incentivam a tomar parte de grupos que, acreditam, podem lhes conferir status. Para tentar se integrar, a criança passa a bajular os que têm mais poder e prestígio na turma, mesmo sendo alvo de chacotas e humilhações. Os pais devem incentivar os filhos a cortar esse laço, no lugar de lutar por ele desesperadamente. É um primeiro passo para resgatar a autoestima, destroçada nesses casos. O bullying costuma impingir um sofrimento solitário e silencioso. A criança passa a isolar-se e a odiar a escola. A situação demanda sensibilidade dos adultos para perceber o que está se passando a sua volta e romper o silêncio.

Por que elegeu o universo feminino como campo de estudo de seu primeiro livro sobre o assunto? As meninas podem ser mais cruéis entre si do que os garotos. Elas têm uma compreensão muito clara sobre como a outra se sente e, com isso, conseguem ferir-se com requintes de maldade. Na adolescência, criam uma severa hierarquia no grupo, pautada por aquilo que vestem e possuem e também pela maneira como se expressam e se posicionam. São regras invisíveis, que se fazem perceber da pior forma possível — quando alguém as quebra e é punido por isso. As meninas se policiam umas às outras o tempo todo e costumam ser implacáveis com quem transgride. Praticam uma agressão de fundo mais psicológico, mas profundamente dolorosa, segundo relatos que venho colhendo ao longo desses anos de trabalho nas escolas. Muitas pessoas ainda se espantam quando trato dessas coisas. Preferem trilhar o caminho mais fácil, o do politicamente correto, a falar abertamente e ajudar.

Há uma idade em que as crueldades são mais comuns? Demonstrações de crueldade não têm idade para vir à tona. Elas podem surgir bem cedo, restando aos pais a dura e inadiável missão de encará-las. É natural que a maioria prefira vir à luz festejar os avanços ou os grandes feitos de sua prole. Mas, às vezes, o assunto é muito mais complicado e menos prazeroso. Não quer dizer aí que os pais tenham fracassado em seu papel de educar. Fujo desses dogmas. Mas lhes cabe uma óbvia reflexão sobre se os incentivos que estão dando em casa têm sido os mais apropriados.

Qual é a sua resposta a esse dilema? Existe uma moda por aí da qual discordo com veemência. As crianças e adolescentes estão recebendo estímulos para parecer mais velhos do que são, mas, infelizmente, não mais maduros. Não é só a roupa, ou o batom, mas a maneira como se portam e agem. Sinto uma angústia ao observar como se abreviam a infância e a própria adolescência em nome de idéias profundamente vazias na essência. Ao resvalar para isso, a lição crucial da tolerância diante das diferenças fica de lado. Nesse caldo equivocado de cultura, não espanta que o bullying se perpetue entre os jovens. Evidentemente que não é só a família que provê os incentivos equivocados, embora, de novo, ela tenha uma contribuição decisiva. Muitas vezes, são os pais que transformam os filhos naquilo que costumo chamar de “mininarcisos”, com a vaidade exacerbada e em permanente culto a si mesmos. O adolescente recebe hoje o maior de todos os privilégios da vida adulta — a liberdade — mas nenhuma das obrigações que vêm com a idade madura.

Falta também impor limites no uso de tecnologias? Sim. Sou uma entusiasta da internet, mas acho que, se não for bem usada, pode incentivar o vazio intelectual mais do que criar gente curiosa e pronta para refletir sobre o mundo em que vivemos. Por isso, especialmente no caso das crianças mais novas, o acesso à rede deve ser feito com orientação em casa. Navegar de forma produtiva, sem correr riscos desnecessários e extraindo o melhor da web, é um aprendizado. Tenho chamado muito a atenção de pais e educadores para a facilidade com que as crianças conquistam hoje artigos como tablets e celulares. Perdem e ganham um novo na mesma hora. É como se fosse um direito. Mas não deve ser assim. Estamos diante de um privilégio, e dos bons. Essa é a idéia que deve ser pavimentada.

Ainda que não reflita a realidade, o sentimento de dever não cumprido por parte dos pais é uma constante. Como combatê-lo? Antes de tudo, sou uma defensora de que essa atual geração se liberte da eterna culpa que a acompanha. Os pais têm culpa porque se divorciaram ou porque trabalham demais. Culpa porque querem manter uma vida própria e independente das questões maternas ou paternas. E culpa ainda porque às vezes, como são humanos, sentem raiva dos filhos quando eles se comportam mal ou os envergonham. Justamente movidos por esse sentimento de que não estão suprindo as necessidades dos filhos à altura de suas gigantescas expectativas como pais, acabam fazendo concessões muito além da conta.